ESTAÇÃO DE PASSA QUATRO
Quando a locomotiva nº 7, a famosa “Couto de Magalhães”, em homenagem ao segundo concessionário para construir a ferrovia The Minas and Rio Railway, pois o primeiro fora o Barão de Mauá, apitou na curva, a população da Passa Quatro e da região estremeceu: era a viagem inaugural, trazendo o Imperador D. Pedro II e sua imperial comitiva. A folhinha marcava: 14 de junho de 1884.
O Imperador saiu do vagão especial para receber os saudares do povo e das autoridades. O Imperatriz Teresa Cristina e o Marechal Conde D’Eu não saíram do vagão, e foi lá que receberam apenas Ana da Mota Pais e sua filha Francisca Ribeiro Pereira Tibúrcio, conforme relata Helena Carneiro em seu livro Memórias de Passa Quatro.
Ana da Mota Pais era a fundadora da cidade, quando iniciou, erguendo, em louvor a São Sebastião, uma capela. Como grande proprietária de terra, doara à ferrovia um alqueire de terreno para que nele fosse implantado o pátio ferroviário, além de ter incentivado outros fazendeiros a fazer o mesmo. A escritura do ato doatário foi lavrada em Pouso Alto, em 1882.
A ferrovia levantou a Vila de sua pasmaceira, pois quatro ano após a sua inauguração, um abaixo-assinado chegou a Ouro Preto, capital da Província, pedindo a emancipação do então Distrito da comarca de Pouso Alto. Em 1888, a lei foi votada e, em 1890, o município, instalado.
Com a ferrovia, os capitais antes investidos em tropas de carga, buscaram novos investimentos, e a lavoura fumageira avançou para se tornar a principal atividade econômica. Dezenas de armazéns de fumo surgiram. A cidade se expandiu. Novas ruas, praças e avenidas, novos loteamentos. Escolas, Santa Casa, hotéis, bares, jardins. Os chafarizes trocados por rede de água. As fossas trocadas por rede de esgoto, ambas redes projetadas pelo famoso engenheiro Paulo de Frontin.
A ferrovia permitiu a exportação de milhares de arrobas de fumo para vários estados. Centenas de empregos criados. Os viajantes viajavam com cadernetas quilométricas, emitidas pela ferrovia.
O hábito social alterado: aos domingos, a juventude municipal fazia o footing na estação em dois horários: no Expresso das 11, que buscava Cruzeiro, e no Expresso das 15 horas, que voltava de Cruzeiro.
Durante certo tempo, funcionou na estação um restaurante, onde até políticos de renome almoçaram, muitas vezes, quando visitavam a cidade.
Até 17 de julho de 1921, a cidade usava o telégrafo da estação para transmitir ou receber seus telegramas; após aquela data inaugurou-se a agência do Telégrafo Nacional, segundo o semanário passaquatrense Correio do Sul, de 24 de julho de 1938.
A diretoria da estrada de ferro estava sediada em Cruzeiro, SP. Em 1930, era seu diretor Alcides Lins. Quando explodiu a Revolução de 30, esse engenheiro, com a cooperação dos demais funcionários da Rede Mineira Viação, em pouco tempo, conse-guiu transferir a maior parte do material rodante para Passa Quatro, que passou a ser, então, a sede da ferrovia.
O trem que viera fechando a viagem, já numa operação de guerra, tivera uma missão: passar graxa nos trilhos buscando impedir ou retardar a possível perseguição das tropas paulistas.
Em Passa Quatro, Alcides Lins passou o seguinte telegrama para Alaor Prata, do Governo de Minas:
“Comunico estação rádio Cruzeiro fechada e não havendo lá elementos de resistência efetivo, vem acompanhado dos che-fes de tráfego. Todas as providências que tempo permitia foram tomadas. Todo o dinheiro aqui.”
Da estação de Passa Quatro expediu dezenas de telegramas às autoridades mineiras, informando, pedindo reforços, indi-cando estratégias, clamando providências; depois, quando as tropas paulistas desceram a serra, ele, sempre muito bem infor-mado, levou seus vagões e locomotivas para Soledade.
O pátio ferroviário era um grande depósito de lenha para mantença das caldeiras das locomotivas. Daqui até o alto da Mantiqueira, na boca do túnel, eram necessárias duas locomotivas para levar um trem até a estação de Cel. Fulgêncio. Em che-gando lá, uma máquina retornava a Passa Quatro, pois, para descer até Cruzeiro, uma locomotiva bastava.
Passa Quatro recebia quatro trens diários: dois expressos e dois mistos; um misto e um expresso iam para Cruzeiro e ou-tro tanto retornava.
Mas, geralmente, o misto das 18 horas para Cruzeiro sempre teimava em chegar às 21 ou às 22 horas…
Durante o governo Milton Campos houve, na Rede Mineira Viação, uma greve de repercussão nacional, que a escritora baiana Alina Paim registrou num romance: A HORA PRÓXIMA, onde a autora usou as estações de Cruzeiro e Passa Quatro como cenário para seus personagens, alguns verdadeiros.
Depois, que a ferrovia passou a usar locomotivas movidas a óleo, algumas pessoas pobres que moravam ao longo da linha sofreram no bolso com este avanço tecnológico: os maquinistas atiravam feixes de lenha para tais moradores…
Quando ainda não se falava em asfaltar as estradas de terra do Sul de Minas, a Rede Mineira Viação colocava, na época do veraneio, vagão-salão, com poltronas individuais, forradas de capas brancas e giratórias, para os veranistas que do Rio buscavam São Lourenço e Caxambu.
Os carros restaurantes prestavam um bom serviço à população de Passa Quatro: eles eram a salvação de muitas pessoas doentes, já que mercavam maças argentinas. Naquela época, acreditávamos que maça era fruta de doente… e ninguém as vendia na cidade.
A estação, nas épocas áureas, vivia cercada de carroças e charretes. Quase todo o fumo, milhares de arrobas por ano, era transportado para a estação, em carroças. Havia firma de tão grande movimento exportador que, quando marcava o dia da ex-portação, os despachantes da ferrovia avisavam as demais para que não levassem mercadorias ao armazém ferroviário.
Em 1927, segundo Heli Menegale, escrevendo na revista ELÉTRICA, de Itanhandu, a ferrovia arrecadara cerca de trezen-tos contos de réis em frete, a maior parte dos fumageiros. O Estado, nesse mesmo ano, amealhara cem contos, e o Governo Federal igual quantia, já a municipalidade, cento e cinqüenta contos de réis.
Não se sabe qual a misteriosa razão que levou ao abandono a malha ferroviária do país, tão importante como meio de transporte em qualquer parte do mundo, haja vista os modernos trens do Japão e da França.
Parece que há uma nova mentalidade surgindo para recuperar o que foi tão mal perdido. Ainda bem, já que uma ferrovia é, como sempre foi, incentivo ao progresso e foco de novas realizações.
Pedro Mossri
Historiador